21/outubro/2014

BREVE REFLEXÃO SOBRE O SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014
Nem Aécio nem Dilma

Faço uma singela reflexão acerca do segundo turno da eleição presidencial de 2014 (Aécio versus Dilma). Creio que a pergunta fundamental, nessa e em outras disputas eleitorais, é a seguinte: quais os interesses representados por cada postulante? Diz a Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. A representação, aqui, significa basicamente implementar/realizar interesses (tudo aquilo que pode ser considerado útil, relevante, vantajoso ou proveitoso, na perspectiva de uma sociedade heterogênea e conflituosa).

Aécio, seu PSDB e agregados, representa de forma mais genuína os interesses das elites socioeconômicas brasileiras. Está escalado para manter e aprofundar, se possível, os inúmeros e variados instrumentos de exploração da grande maioria do povo brasileiro. Dilma, seu PT e agregados, representa os mesmos interesses. Maquiavel já dizia, no famoso livro “O Príncipe”, quando os grandes não conseguem governar com um dos seus, governam com um do povo (Lula-Dilma). Em longos anos de governo, o PSDB e o PT sequer arranharam os pilares de uma das sociedades mais desiguais do mundo (embora seja a sexta ou sétima em produção de riquezas). Praticamente nada foi realizado pelo PSDB-PT em torno dos seguintes aspectos fundamentais: câmbio flutuante; metas de superávit primário e de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; enorme concentração da propriedade rural; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; concentração e elitização da grande mídia; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; degradação crescente do espaço urbano; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos como energia, comunicação, tecnologia, agricultura familiar, transporte, saúde e saneamento; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um considerável incentivo à violência física e simbólica.

Existem diferenças secundárias ou acessórias entre Aécio e Dilma.

Dilma, conta, de forma minoritária, com o apoio de setores políticos historicamente mais ligados às causas populares. Pelas origens políticas e sociais, os governos Lula-Dilma implementaram políticas assistencialistas e limitados “ganhos” sociais. Esses “ganhos” estão fundados em ambiente externo favorável, relativa estabilidade da moeda e profundo endividamento das famílias (pagando os maiores juros do mundo). Nesse cenário, com ciclo já esgotado, permaneceram intocados os interesses das elites (aliás, vários estudos demonstram o aumento da participação dos mais ricos na distribuição de renda nos últimos anos).

Aécio, por outro lado, surge como alternativa, meramente político-eleitoral, ao projeto de poder do PT. Não se trata de um projeto social-democrata (até votaria num projeto verdadeiramente social-democrata, um considerável avanço para o selvagem capitalismo brasileiro). Aécio é um fiel representante do neoliberalismo que tenta colocar o mercado, e seus dogmas, como instância onipotente, onisciente e onipresente.

Portanto, no essencial, Aécio e Dilma são “iguais” (representam os mesmos interesses). Meu voto será nulo. Não me sinto minimamente representado pelos dois projetos políticos postos. Insisto que Aécio e Dilma são faces da mesma moeda, embora as imagens e os coloridos sejam aparentemente diversos. Não creio que o voto nulo deve ser evitado a todo custo. Pode ser a alternativa de quem adota um critério “mais rígido” entre duas opções (substancialmente iguais e ruins). A escolha pelos critérios secundários também é possível, naturalmente sem envolver ilusões. Registro, desde logo, que não vou demonizar ninguém que faça opções, sem ilusões e por qualquer dos aspectos acessórios, entre Aécio ou Dilma.

A disputa entre Frejat e Rollemberg, no segundo turno das eleições para o Governo do Distrito Federal, possui características similares ao embate desenhado nas eleições presidenciais. Os dois projetos, com diferenças cosméticas e de composição do arco de alianças políticas, financiados pelo que existe de pior nos cenários socioeconômicos regional e nacional, representam substancialmente os mesmos interesses, no Distrito Federal, majoritariamente avessos aos trabalhadores, aos jovens, aos estudantes e às classes médias.

“Na verdade, tem havido uma luta de classes nos últimos 20 anos, e a minha classe venceu. Nós é que tivemos nossos impostos reduzidos significativamente” (Warren Buffett, multibilionário em dólares)

OS RICOS ESTÃO FINANCIANDO DILMA/PT EM BENEFÍCIO DOS POBRES?

Não sou Dilma. Não sou Aécio. Prego o voto nulo no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 (ver http://www.aldemario.adv.br ou http://www.facebook.com/aldemario.araujo).

Algo me intriga no "debate" em torno das opções eleitorais. Leio, com frequência, as seguintes frases (ou variantes): "Mais 4 anos de Dilma e isso aqui será uma Venezuela". "O dia 26 de outubro marcará a libertação do Brasil". Fala-se, também, em ditadura, ditadura comunista, manipulação petista e outras pérolas do gênero. O mais curioso é a tentativa de construção do cenário de uma verdadeira guerra entre pobres (representados por Dilma/PT) e ricos (representados por Aécio/PSDB).

Estamos diante de alguma possibilidade de governo em favor das classes populares (ou mais pobres, mais humildes, etc)? Evidentemente que não. Estamos longe, muito longe disso. Aliás, os últimos governos (do PSDB-PT) governaram para garantir e ampliar os interesses das elites socioeconômicas. Vejamos alguns dos principais indicadores nesse sentido:

a) a estrutura agrária, majoritariamente latifundiária e retrógrada, permaneceu intocada (http://www.centrocelsofurtado.org.br/arquivos/image/201108311503570.S_LEITE1.pdf);

b) a criação e o aumento vertiginoso do bolsa-empresário no âmbito do BNDES (http://ossamisakamori.blogspot.com.br/2013/08/bndes-da-dilma-bolsa-empresario-e-de-r.html);

c) a manutenção do sistema da dívida pública de cerca de 4 trilhões de reais que consome mais de 40% do orçamento anual da União (http://www.auditoriacidada.org.br);

d) a preservação do tripé macroeconômico: câmbio flutuante-metas de inflação-superávit primário (http://jornalggn.com.br/noticia/brasil-2015-o-desafio-de-mudar-o-tripe-economico e http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8967:submanchete181013&catid=58:paulo-passarinho&Itemid=124);

e) a alimentação de um sistema tributário profundamente injusto (http://www.aldemario.adv.br/quantoparte2reforma.pdf);

f) o aprofundamento da enorme concentração de mídia (http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed772_falta_diversidade_e_sobra_concentracao_na_midia_brasileira);

g) a continuidade do modelo político-eleitoral que amplia o conservadorismo e a corrupção (http://www.aldemario.adv.br/refpolpopdem.pdf e http://www.aldemario.adv.br/corrupcaopropostas.pdf);

h) o aumento da violência epidêmica, com destaque para aquela promovida pelas forças de segurança militarizadas em relação ao jovens negros das periferias das grandes cidades (http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/533141-mapa-da-violencia-2014-confirma-caso-de-violencia-epidemica-no-brasil-entrevista-especial-com-julio-jacobo-waselfisz);

i) o contínuo ataque retrógrado aos direitos humanos, notadamente aqueles relacionados com a comunidade LGBT e às mulheres (https://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/author/telesforo88/).

Sintomaticamente, os candidatos da coligação PT-PSDB (Dilma e Aécio) praticamente não debatem ou discutem esses "assuntos". Eles (Aécio e Dilma) estão coligados para manter os mecanismos e as estruturas socioeconômicos mais perversos da sociedade brasileira. Disputam, "apenas", o protagonismo da seara política, a condição de gerentes políticos do sistema.

A afirmação do parágrafo anterior pode parecer estranha. Coligação PT-PSDB? É possível, entretanto, demonstrar objetivamente a sua existência a partir do financiamento dos grandes grupos econômicos brasileiros ao PT, ao PSDB e aos seus candidatos. Vejamos:

"PT, PMDB e PSDB, as três maiores legendas do País, receberam pelo menos R$ 1 bilhão de empresas entre os anos de 2009 e 2012, o que equivale a quase 2/3 de suas receitas, em média." (http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,doacao-de-empresas-garante-23-das-receitas-dos-maiores-partidos-do-pais-imp-,1133491)

"Todos os dez megadoadores apostaram na candidatura da atual presidente. O Grupo JBS, líder do ranking de financiadores, destinou a Dilma 65% dos recursos aplicados nas campanhas. A Construtura OAS, terceira no ranking, concentrou ainda mais suas doações na petista: 85%.

Outra empreiteira, a Andrade Gutierrez, segunda na lista dos maiores doadores, tratou PT e PSDB com mais equilíbrio: entregou 50% para Aécio e 46% para Dilma. O Grupo Odebrecht, somadas as empresas que atuam nas áreas de construção civil e petroquímica, destinou à candidata petista 73% das suas doações para as campanhas presidenciais.

Andrade Gutierrez, OAS e Odebrecht fizeram repasses baixos, em termos porcentuais, à campanha do PSB: 3,4%, 2,5% e 3%, respectivamente. BTG Pactual, UTC Engenharia, Cutrale e Construtora Triunfo (da 6.ª à 10.ª posições no ranking de financiadores) fizeram zero contribuições para Campos e Marina.

As empreiteiras foram as principais financiadoras das campanhas presidenciais de PT, PSB e PSDB até o fim de agosto, com R$ 63,1 milhões em doações. O valor leva em conta as 20 maiores quantias doadas a Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). O levantamento foi feito pelo Estadão Dados com base nos registros apresentados pelas campanhas à Justiça Eleitoral.

Dilma é a que mais recebeu das construtoras: R$ 41 milhões. Entre as maiores doadoras estão OAS (R$ 20 milhões), Andrade Gutierrez (R$ 11 milhões), UTC Engenharia (R$ 5 milhões) e Triunfo (R$ 5 milhões).

Em segundo lugar nas doações desse segmento, com praticamente metade do valor arrecadado pelo PT, aparece Aécio. O tucano recebeu R$ 12 milhões da Andrade Gutierrez e R$ 3 milhões da OAS. Outras quatro empresas - UTC, MRV, CR Almeida S.A. Engenharia de Obras e Norberto Odebrecht - doaram R$ 1 milhão cada. A construtora Barbosa Mello S.A. contribuiu com R$ 750 mil e a Via Engenharia, com R$ 500 mil. O total chega a R$ 20,25 milhões.

Entre os eleitores dispostos a ajudar a campanha da presidente Dilma Rousseff está Eraí Maggi Scheffer, conhecido como o maior produtor de soja do Brasil. O "rei da soja", com é chamado, fez uma única transferência, no dia 7 de agosto, de R$ 500 mil. Com uma cifra 12 vezes menor, Antônio Cláudio Brandão Resende aparece como o segundo maior doador da campanha presidencial do PT. Resende, vice-presidente da empresa Localiza, contribuiu com R$ 40 mil.

No caso da campanha de Aécio Neves (PSDB), ele contou principalmente com a ajuda de empresários que fazem parte do comando da empresa BRF, dona de marcas famosas como Sadia, Perdigão, Batavo, Elegê. Membro do Conselho Administrativo da empresa, Eduardo Silveira Mufarej doou R$ 50 mil para a campanha dos tucanos. Outro conselheiro da BRF, José Carlos Reis de Magalhães Neto ajudou com R$ 25 mil." (http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2014/09/campanha-de-dilma-fica-com-68-dos-maiores-doadores.html)

Alguém é suficientemente ingênuo ou desinformado para acreditar que os maiores grupos empresariais e os maiores empresários brasileiros financiam projetos políticos, inclusive as ditas "ditaduras comunistas", contra seus interesses e em benefício dos menos favorecidos?

Cabe uma "última palavra" acerca da adesão significativa das classes médias tradicionais ao candidato do PSDB. Existe uma razão socioeconômica de fundo para tal opção (para além do combate à corrupção, da resistência à suposta "ditadura comunista", da defesa da alternância no poder e coisas do gênero). A síntese desse motivo está retratada nesse registro publicado pelo jornal Correio Braziliense no dia 24 de outubro de 2014: "Votei em Lula partir de 1989 por prometer eliminar a pobreza, com educação pública de qualidade. Vinte e cinco anos depois, vimos que preferiu ser o pai dos pobres, a mãe dos ricos e o padrasto da classe média - Mauro Evangelista - Brazlândia".

Consciente, ou inconscientemente, as classes médias tradicionais reconhecem que são os principais financiadores, pela via da tributação, dos escândalos de corrupção e dos vários mecanismos de transferência de renda para os segmentos mais necessitados (bolsa-família, programas habitacionais, aposentadoria rural, etc). A "conta" deveria ser paga pelas elites. Entretanto, essas sabem defender seus interesses e o aumento das suas rendas (de sua "fatia no bolo"). Sobra, literalmente sobra, para as classes médias tradicionais e para o conjunto dos assalariados.

Amanhã, dia 26 de outubro, votarei nulo. Não pretendo participar ativamente tão-somente do processo de escolha do gerente-mor deste modelo socioeconômico perverso e excludente.

Em tempo. Casualmente, na doce ilusão de achar algum material mais denso acerca da disputa eleitoral, encontrei um vídeo de um debate envolvendo Ciro Gomes e Rodrigo Constantino. Não nutro nenhuma simpatia por qualquer das duas figuras. Entretanto, as falas de Ciro Gomes sobre a dívida pública (sim, ela existe !!!), a reforma tributária e o tamanho do Estado no Brasil são muito interessantes (o link: http://www.youtube.com/watch?v=Q2A3c78C-kM).