CAPÍTULO 5. TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS (ou FUNDAMENTAIS)


1. Formação histórica e documentos relevantes


Os direitos humanos (ou fundamentais) são conquistas decorrentes de lutas, muitas vezes sangrentas, ao longo da história da humanidade.

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em textos escritos e específicos ("declarações de direitos") são eventos relativamente recentes. As primeiras declarações são encontradas na Inglaterra com a Magna Carta (1215-1225) e o Bill of Rights (1688). A primeira, um documento voltado para limitar os poderes do Rei em relação à nobreza e a Igreja. A segunda, muito preocupada em fixar e consolidar os poderes do Parlamento.

A primeira declaração de direitos moderna foi a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776. O marco histórico mais importante repousa na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada na França em 1789. Trata-se de um monumento ao liberalismo, fundada nas idéias de liberdade, igualdade, propriedade e legalidade. Nos EUA foi adotada uma declaração de direitos em 1791, na forma de emendas ao texto original da Constituição.

As primeiras declarações de direitos que rompem com liberalismo estão presentes na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição alemã de Weimar, de 1919.

A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, da Rússia de 1918, é um dos marcos da tentativa de superação do regime capitalista e adoção do regime socialista.

Atualmente, temos uma nítida universalização das declarações de direitos, presentes nos textos constitucionais (portanto, com caráter normativo). Registre-se, pela sua importância, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em 1948.


2. Conceito e denominações


São interesses ou possibilidades de condutas/comportamentos considerados fundamentais para que exista convivência humana digna, livre e igualitária.

As denominações encontradas são as mais diversas: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, entre outros. A nomenclatura consagrada na Constituição de 1988 foi justamente: direitos fundamentais do homem.

Segundo o professor Ingo Sarlet, uma das maiores autoridades em direitos humanos no Brasil, existe uma diferença entre "direitos humanos" e "direitos fundamentais". Afirma o jurista: "A pertinência da diferenciação conceitual entre direitos humanos e fundamentais se fundamenta no sentido de que os direitos humanos, antes de serem reconhecidos e positivados nas Constituições (quando então se converteram em direito positivado e assumiram a condição de direitos fundamentais), integravam apenas uma espécie de moral jurídica universal, de tal sorte que os direitos humanos referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana) ao passo que os direitos fundamentais (positivados nas Constituições) concernem às pessoas como membros de um ente público concreto” (Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-jan-14/ingo-sarlet-estreia-coluna-direitos-fundamentais-conjur).


3. Natureza e eficácia das normas


Em regra, são veiculados por normas jurídicas constitucionais. José Afonso da Silva afirma que, normalmente, são de eficácia contida e aplicabilidade imediata. Registra, no entanto, que algumas podem ser de eficácia limitada e aplicabilidade indireta (aqueles dependentes de lei integradora).


3.1. Eficácias vertical e horizontal


A chamada "eficácia vertical dos direitos fundamentais" está relacionada com a aplicação desses direitos como limites à atuação do Poder Público. Cogita-se de uma relação vertical, com desigualdade jurídica, própria do direito público, entre o Estado e o indivíduo.

A conhecida "eficácia horizontal dos direitos fundamentais" considera que os particulares (pessoas físicas e jurídicas) são obrigados a observar esses direitos. Visualiza-se, aqui, uma relação horizontal, com igualdade jurídica, própria do direito privado, entre o titular do direito fundamental e o particular obrigado a observá-lo.

A jurisprudência do STF já reconheceu a "eficácia horizontal dos direitos humanos". Eis alguns exemplos: a) a revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie (RE 160.222-8); b) a exclusão de associado de cooperativa sem direito de defesa ( RE 158.215-4) e c) a discriminação de empregado brasileiro em relação à estrangeiro, mesmo realizando atividades idênticas (RE 161.243-6).


4. Características


Os caracteres mais marcantes dos direitos fundamentais são: (a) historicidade (nascem, modificam-se e desaparecem); (b) inalienabilidade (intransferíveis e inegociáveis); (c) imprescritibilidade (nunca deixam de ser exigíveis); (d) irrenunciabilidade (no máximo, podem não ser exercidos); (e) universalidade (todos têm direitos fundamentais) e (f) limitabilidade (não são absolutos).


5. Classificação


Adotando o critério do conteúdo e observando a Constituição de 1988, podemos separá-los em: (a) individuais; (b) coletivos; (c) sociais; (d) à nacionalidade e (e) políticos. José Afonso da Silva alerta para a presença de direitos econômicos no título próprio da Carta Política.

Existe uma classificação consagrada doutrinariamente utilizando o critério do momento histórico em que surgiram os direitos. Assim, podem ser contabilizadas cinco gerações de direitos (as duas primeiras amplamente reconhecidas):

a) primeira geração. São os direitos individuais que consagram as chamadas liberdades individuais (manifesatação de pensamento, locomoção, votar, propriedade, etc). Também conhecidos como direitos negativos;

b) segunda geração. São direitos sociais, culturais e econômicos que exigem do Estado uma postura ativa no sentido de viabilizar o exercício. Também conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação;

c) terceira geração. São direitos voltados para o destino da Humanidade, basicamente relacionados com a proteção do meio ambiente, o desenvolvimento econômico e a defesa do consumidor;

d) quarta geração. São direitos relacionados com a manipulação genética, a biotecnologia e a bioengenharia. Envolvem um profundo debate ético acerca da vida e da morte;

e) quinta geração. São direitos decorrentes da chamada realidade virtual. Envolvem aspectos como a internacionalização da jurisdição e o rompimento das fronteiras físicas tradicionais.


6. Garantias


Encontramos nas Constituições a presença de recursos e meios jurídicos para assegurar efetividade aos direitos fundamentais. Tratam-se das garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Não são um fim em si mesmas, mas instrumentos para assegurar um direito fundamental inscrito no Texto Maior na forma de ações judiciais. Não perdem, no entanto, a natureza de direitos a disposição do homem, na perspectiva de sua mera utilização.

Nesse sentido, podem ser encontrados no artigo quinto da Constituição, primeiro dispositivo do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais: (a) habeas corpus (inciso LXVIII); (b) mandado de segurança (inciso LXIX); (c) mandado de injunção (inciso LXXI); (d) habeas data (inciso LXXII) e (e) ação popular (inciso LXXIII).


7. Colisão de direitos fundamentais


A colisão de direitos fundamentais em sentido estrito ocorre quando, no caso concreto, há mais de um titular de direitos fundamentais e o exercício do direito de um dos titulares afeta negativamente os outros titulares. Admite-se uma espécie de colisão de direitos fundamentais em sentido amplo quando ocorre a colisão entre os direitos fundamentais e bens ou direitos de dimensão coletiva.

Assim, a solução da colisão ou do conflito implicará numa limitação ou restrição do direito de um dos titulares de direitos fundamentais. Considerando a vinculação dos direitos fundamentais a princípios e valores juridicizados, a limitação ou restrição aludida faz-se por ponderação ou sopesamento.

A ponderação, sob os influxos do caso concreto, trabalha com duas premissas: a) não atribui primazia ou preponderãncia absoluta a um dos direitos ou princípios em disputa e b) busca resguardar, na medida do possível, a aplicação, mesmo residual ou secundária, do direito ou princípio "vencido". Obviamente, quando não é possível, um direito cede completamente em favor do outro.

O professor Luís Roberto Barroso destaca que a ponderação "... não fornece referências materiais ou axiológicas para a valoração a ser feita" e "... envolve avaliações de caráter subjetivo".

O novo Código de Processo Civil, em seu art. 489, parágrafo segundo, assim dispõe: "No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão".


8. Dignidade da pessoa humana


"1. Após a Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana se tornou um dos grandes consensos éticos mundiais, servindo de fundamento para o advento de uma cultura fundada na centralidade dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. Progressivamente, ela foi incorporada às declarações internacionais de direitos e às Constituições democráticas, contribuindo para a formação crescente de uma massa crítica de jurisprudência e para um direito transnacional, em que diferentes países se beneficiam da experiência de outros.

2. A dignidade da pessoa humana é um valor moral que, absorvido pela política, tornou-se um valor fundamental dos Estados democráticos em geral. Na sequência histórica, tal valor foi progressivamente absorvido pelo Direito, até passar a ser reconhecido como um princípio jurídico. De sua natureza de princípio jurídico decorrem três tipos de eficácia, isto é, de efeitos capazes de influenciar decisivamente a solução de casos concretos. A eficácia direta significa a possibilidade de se extrair uma regra do núcleo essencial do princípio, permitindo a sua aplicação mediante subsunção. A eficácia interpretativa significa que as normas jurídicas devem ter o seu sentido e alcance determinados da maneira que melhor realize a dignidade humana, que servirá, ademais, como critério de ponderação na hipótese de colisão de normas. Por fim, a eficácia negativa paralisa, em caráter geral ou particular, a incidência de regra jurídica que seja incompatível – ou produza, no caso concreto, resultado incompatível – com a dignidade humana.

3. São conteúdos mínimos da dignidade o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário. O valor intrínseco é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros. A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação são atributos únicos que servem de justificação para essa condição singular. Do valor intrínseco decorrem direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica.

4. A autonomia da vontade é o elemento ético da dignidade humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer escolhas existenciais básicas. Ínsita na autonomia está a capacidade de fazer valorações morais e de cada um pautar sua conduta por normas que possam ser universalizadas. A autonomia tem uma dimensão privada, subjacente aos direitos e liberdades individuais, e uma dimensão pública, sobre a qual se apóiam os direitos políticos, isto é, o direito de participar do processo eleitoral e do debate público. Condição do exercício adequado da autonomia pública e privada é o mínimo existencial, isto é, a satisfação das necessidades vitais básicas.

5. O valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, identificando a relação entre o indivíduo e o grupo. Nesta acepção, ela está ligada a valores compartilhados pela comunidade, assim como às responsabilidades e deveres de cada um. Vale dizer: a dignidade como valor comunitário funciona como um limite às escolhas individuais. Também referida como dignidade como heteronomia, ela se destina a promover objetivos sociais diversos, dentre os quais a proteção do indivíduo em relação a atos que possa praticar capazes de afetar a ele próprio (condutas autorreferentes), a proteção de direitos de outras pessoas e a proteção de valores sociais, dos ideais de vida boa de determinada comunidade. Para minimizar os riscos do moralismo e da tirania da maioria, a imposição de valores comunitários deverá levar em conta (a) a existência ou não de um direito fundamental em jogo, (b) a existência de consenso social forte em relação à questão e (c) a existência de risco efetivo para direitos de terceiros.

6. A identificação da dignidade como um princípio jurídico e a determinação de seus conteúdos mínimos pode servir, dentre outras coisas, e em primeiro lugar, para unificar a utilização da expressão no âmbito doméstico e internacional. Facilita-se, assim, o seu emprego no discurso transnacional, pela uniformização, mediante convenção terminológica, das idéias que estão abrigadas na noção de dignidade humana. Em segundo lugar, ela contribui para estruturar o itinerário argumentativo na solução de casos difíceis, permitindo que se identifique cada um dos elementos relevantes, agrupando-os de acordo com cada conteúdo associado à dignidade. Isso poderá dar maior transparência ao processo decisório, possibilitando um controle social mais eficiente" (Destaques inexistentes no original. Luís Roberto Barroso. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf).


9. Novos sujeitos de direitos


"Acirrados debates filosóficos e jurídicos sobre o estatuto moral e jurídico dos animais são travados e, na atualidade, reivindica-se a constatação de que os interesses dos animais não humanos não estão subordinados aos interesses dos animais humanos. (...) a viabilidade dos animais serem inseridos na categoria de entes despersonalizados não humanos e, uma vez considerados titulares de direitos fundamentais, podem valer-se das vias processuais por intermédio de representantes ou substitutos processuais para a garantia de um mínimo existencial. Muitos fatores contribuem para a preservação do status jurídico dos animais como bens, valorados em função de interesses meramente patrimoniais. Reconhecer no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de serem os animais sujeitos de direito exige o reexame da Teoria Geral do Direito e do Processo, repensando seus postulados à luz do Direito dos Animais" (Disponível em: https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=23662).


10. Internacionalização


"Com a aceitação da pessoa humana como sujeito de Direito Internacional são criados novas possibilidades de defesa dos direitos das pessoas, grupos sociais os mais variados, diante da opressão que é muitas vezes promovida por grupos que assumem o poder do Estado para a defesa de seus interesses das mais variadas ordens. A exclusividade do Estado como sujeito de direito internacional muitas vezes inviabilizava a defesa de direitos humanos ou protelava perigosamente a ação internacional contra arbitrariedades e violências étnicas e sociais, uma vez que os interesses dos governos dos Estados muitas vezes não coincidem com a urgência de ações de proteção de pessoas individualmente ou como integrantes de grupos sociais os mais variados. Agora os Estados não são mais os únicos sujeitos de Direito Internacional.

O processo de internacionalização dos direitos humanos ganha grande impulso após a Segunda Guerra Mundial, tendo como marco fundamental a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948.

Os acordos que visam resguardar e proteger os direitos da pessoa humana nasceram em resposta às atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial.[1] Os lideres dos Estados nacionais no pós-guerra acordam, na sua grande maioria, na criação de normas internacionais de proteção dos direitos humanos, o que se tornou um dos principais objetivos da sociedade internacional" (Gabriela Maciel Lamounier e José Luiz Quadros de Magalhães. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4614).


10.1. Tratados de Direitos Humanos


Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948: Promulgada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu texto direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais (artigos 1º ao 28), prezando pela liberdade, igualdade e fraternidade. Adota uma nova concepção de direitos humanos, consagrando-os como universais, indivisíveis e interdependentes. Os direitos civis e políticos formam com os direitos econômicos, sociais e culturais uma unidade indivisível e interdependente. A sociedade internacional deve tratar os direitos humanos como um todo, de forma eqüitativa.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - 1966: Amplia o rol de direitos civis e políticos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São direitos auto-aplicáveis. Este pacto constituiu o Comitê de Direitos Humanos e reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade desses direitos.[22] Defende os princípios da autodeterminação dos povos, da igualdade, da dignidade da pessoa humana entre outros.

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - 1966: Amplia o rol de direitos econômicos, sociais e culturais da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Também reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade desses direitos e traz regras de direito trabalhista. Os direitos econômicos, sociais e culturais são programáticos, de aplicação progressiva.

Convenções internacionais são tratados multilaterais de direitos humanos que protegem determinados grupos de pessoas. Exemplos:

1948: Convenção contra o Genocídio;

1949: Convenção de Genebra sobre a Proteção das Vítimas de Conflitos Bélicos;

1965: Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial;

1969: Pacto de São José da Costa Rica;

1979: Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher;

1985: Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura;

1989: Convenção sobre os Direitos da Criança;

1992: Convenção sobre a Diversidade Biológica.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos - 1969: É o Pacto de São José da Costa Rica, um tratado obrigatório de direitos humanos em nível interamericano que trata de direitos civis e políticos.

Protocolo de São Salvador - 1988: É o Protocolo adicional à Convenção Interamericana de Direitos Humanos que trata dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Protocolo Adicional à Convenção Interamericana de Direitos Humanos - 1990: É o protocolo relativo à abolição da pena de morte.

Compilação apresentada por Gabriela Maciel Lamounier e José Luiz Quadros de Magalhães. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4614


10.2. Sistemas de proteção


"Como é sabido, os direitos humanos podem ser protegidos por lei no âmbito doméstico ou no internacional. As leis internacionais de direitos humanos têm, por sua vez, diferentes níveis. Incluem o sistema global, no qual as Nações Unidas (ONU) são o ator principal. O sistema global é potencialmente aplicável de uma forma ou outra a qualquer pessoa. Inclui ainda os sistemas regionais, que cobrem três partes do mundo – a África, as Américas e a Europa. Se os direitos de alguém não são protegidos no âmbito doméstico, o sistema internacional entra em ação, e a proteção pode ser oferecida pelo sistema global ou regional (naquelas partes do mundo em que existem tais sistemas)" (Christof Heyns, David Padilla e Leo Zwaak. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sur/v3n4/09.pdf).


10.3. Tribunal Penal Internacional


A Corte Penal Internacional (CPI), também conhecida como Tribunal Penal Internacional (TPI), é o primeiro tribunal penal internacional de caráter permanente. Foi instalado em 2002 em Haia, Países Baixos.

A CPI (ou TPI) julga os indivíduos, e não os Estados (atribuição do Tribunal Internacional de Justiça), em relação aos crimes mais graves, como genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Trata-se, o surgimento de uma jurisdição permanente global, de um grande passo no sentido da universalidade dos direitos humanos.

"O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". Esse é teor do parágrafo quarto do artigo quinto da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.


11. Segurança pública


"Os abusos sistemáticos cometidos pela polícia contra a população são, hoje, um dos principais problemas a ser enfrentados no país em relação aos direitos humanos. A tortura utilizada como 'método' de investigação, o encarceramento massivo de pessoas – o Brasil está na quarta posição mundial, com mais de 520 mil pessoas em situação de privação de liberdade – e sobretudo as execuções cometidas por agentes do Estado configuram um quadro gravíssimo no que se refere à segurança pública e garantia de direitos básicos da população.

As execuções sumárias por parte de policiais militares ou grupos de extermínio são, sem dúvida, o aspecto mais crítico. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a polícia brasileira está entre as que mais matam no mundo. Segundo o 5º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confronto com as polícias paulista e carioca. Uma média de 1.185 por ano, ou três ao dia. O número inclui apenas os casos registrados como 'auto de resistência', aqueles nos quais o policial alega ter atirado em legítima defesa. Entre 1980 e 2010, 1.098.675 brasileiros foram assassinados. O país convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, do sexo masculino e sobretudo negra. Desse volume, apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da Violência, organizado pelo professor Julio Waiselfisz, publicado em 2012.

Em meio às violências cometidas pela Polícia Militar no país, um debate que vem se fortalecendo na sociedade é a desmilitarização das polícias no Brasil. O cenário de violência tem chamado atenção de órgãos de direitos humanos internacionais. Em maio de 2012, a Dinamarca chegou a recomendar, na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que o Brasil extinguisse a PM. A temática também rendeu citação do Brasil em um levantamento feito pela Anistia Internacional. De acordo com a organização de direitos humanos, 80% dos brasileiros temem sofrer torturas caso sejam detidos, dado alarmante que aponta para uma desconfiança da sociedade acerca da polícia.

Uma das soluções apresentadas para reduzir a violência policial seria a unificação das Polícias Civil e Militar. A separação dessas forças e suas funções, porém, está prevista no Art. 144 da Constituição Federal. A proposta de desmilitarização consiste na mudança da Constituição, por meio de emenda constitucional, de forma que ambas constituam um único grupo policial e que todo ele tenha uma formação civil. A PM é força auxiliar do Exército, por isso é militar.

Uma das maiores críticas à militarização da polícia é em relação ao comportamento dos agentes do Estado, proveniente de uma mentalidade que enxerga o civil como um inimigo da sociedade e de um treinamento de combate a um inimigo externo. Unificar as duas polícias, acreditam defensores de direitos humanos, aumentaria a coordenação e eficiência na solução de crimes. Além disso, daria recursos extras para uma inteligência integrada, devido ao corte de despesas com a manutenção de duas estruturas.

A ideia da desmilitarização é defendida, inclusive, por parte dos policiais militares que são praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes), que compõem o grosso da tropas. Já os oficiais pensam o contrário. Uma iniciativa importante para transformar o aparato policial no Brasil é a Proposta de Emenda Constitucional 51, que visa alterar a configuração atual das polícias e prevê a desvinculação entre a polícia e as Forças Armadas; a efetivação da carreira única (ciclo completo), com a integração entre delegados, agentes, polícia ostensiva, preventiva e investigativa; e a criação de um projeto único de polícia. A carreira única não significa, no entanto, a unificação das atividades policiais (ostensiva e investigativa), mas sim a construção de um novo modelo de polícia. A PEC 51 ainda insiste na busca por maior transparência e valorização dos policiais, pondo fim aos salários e planos de carreira diferentes que hoje separam policiais civis e militares. O projeto é de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) — pré-candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro — e contou com o auxílio do antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública.

Embora a desmilitarização não seja a única saída para o problema da segurança pública no Brasil, ela é, sim, fundamental e deve ser exigida. Com o fim da PM, podemos dar um importante passo rumo a uma política de segurança pública democrática e respeitadora dos direitos humanos" (Destaques inexistentes no original. Adriano Diogo. Disponível em: http://www.teoriaedebate.org.br/debates/desmilitarizacao-da-policia?page=0%2C0).


12. Incidente de deslocamento da competência para a Justiça Federal


"Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o ProcuradorGeral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal" (art. 109, parágrafo quinto, da Constituição). Também conhecido como federalização das graves violações aos direitos humanos.

"O primeiro IDC concedido em território nacional se deu no conhecido “Caso Manuel Mattos”, ex-vereador e advogado, morador de Itambé (PE), executado em 24 de janeiro de 2009, com dois tios de espingarda calibre 12, no município de Pitimbú, praia de Acaú, litoral sul da Paraíba.

A motivação do homicídio foi sua forte atuação contra o crime organizado em sua região, notadamente grupos de extermínio de adolescentes, homossexuais e supostos ladrões, nos municípios de Pedras de Foto (PB), Itambé e Timbaúba (PE), na divisa dos dois estados.

Manuel estava sem proteção policial, apesar das medidas cautelares de proteção decretadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). Além do assassinato em si, outros casos conexos também ficaram a cargo da Justiça Federal, assim como outras investigações vinculadas." (Fonte: http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937198/caso-manuel-mattos-e-o-incidente-de-deslocamento-de-competencia).


13. Justiça de transição


Trata-se de esforço social e institucional voltado para a construção da paz sustentável depois de um período de graves conflitos, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos, notadamente por agentes do Poder Público com utilização dos mais variados instrumentos do Estado. No âmbito da justiça transicional pretende-se processar os responsáveis, apresentar a verdade sobre crimes cometidos, viabilizar reparações às vítimas, alterar a cultura e os procedimentos das instituições envolvidas com abusos e alcançar a reconciliação.

No Brasil, o debate em torno da revogação da "lei da anistia" (Lei n. 6.683, de 1979) é um dos temas mais importantes relacionados com a "justiça de transição". Em 2010, o STF, ao julgar a ADPF n. 153, proposta pela OAB, manteve a Lei n. 6.683/79. Também em 2010, uma decisão proferida, no Caso Guerrilha do Araguaia, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu expressamente a impossibilidade de se invocar disposições de anistia, de prescrição ou excludentes de ilicitude para inviabilizar o cumprimento da obrigação de investigar os fatos e punir os responsáveis por graves violações de direitos humanos, tais como: torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados.


14. Ações afirmativas


"Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão sócio-econômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.

Entre as medidas que podemos classificar como ações afirmativas podemos mencionar: incremento da contratação e promoção de membros de grupos discriminados no emprego e na educação por via de metas, cotas, bônus ou fundos de estímulo; bolsas de estudo; empréstimos e preferência em contratos públicos; determinação de metas ou cotas mínimas de participação na mídia, na política e outros âmbitos; reparações financeiras; distribuição de terras e habitação; medidas de proteção a estilos de vida ameaçados; e políticas de valorização identitária.

Sob essa rubrica podemos, portanto, incluir medidas que englobam tanto a promoção da igualdade material e de direitos básicos de cidadania como também formas de valorização étnica e cultural. Esses procedimentos podem ser de iniciativa e âmbito de aplicação público ou privado, e adotados de forma voluntária e descentralizada ou por determinação legal.

A ação afirmativa se diferencia das políticas puramente anti-discriminatórias por atuar preventivamente em favor de indivíduos que potencialmente são discriminados, o que pode ser entendido tanto como uma prevenção à discriminação quanto como uma reparação de seus efeitos. Políticas puramente anti-discriminatórias, por outro lado, atuam apenas por meio de repressão aos discriminadores ou de conscientização dos indivíduos que podem vir a praticar atos discriminatórios.

No debate público e acadêmico, a ação afirmativa com freqüência assume um significado mais restrito, sendo entendida como uma política cujo objetivo é assegurar o acesso a posições sociais importantes a membros de grupos que, na ausência dessa medida, permaneceriam excluídos. Nesse sentido, seu principal objetivo seria combater desigualdades e dessegregar as elites, tornando sua composição mais representativa do perfil demográfico da sociedade" (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - GEMAA. (2011) "Ações afirmativas". Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/o-que-sao-acoes-afirmativas.html).

Como pode ser observado na leitura dos últimos parágrafos, as ações afirmativas estão basicamente fundadas no princípio da igualdade quando analisado e aplicado sob a perspectiva material ou substancial (a desigualdade promovendo a igualdade).


15. Ativismo judicial


Não existe um entendimento consensual, ou claramente majoritário, acerca do sentido da expressão "ativismo judicial", usada para designar genericamente uma postura proativa do Poder Judiciário. No centro do debate está a tentativa de identificar o limite de atuação do juiz em função das competências do legislador. Alguns juristas dizem que o "ativismo judicial" é a invasão indevida da seara do legislador pelo magistrado. Por outro lado, sustenta-se que o juiz, notadamente a Corte Constitucional, pode e deve aplicar, inclusive sem intermediação legislativa, a Constituição, notadamente seus princípios.

Identificam-se as origens da postura ativista na jurisprudência, sobre controle de constitucionalidade, da Suprema Corte norte-americana premida por uma constituição sintética e uma realidade socioeconômica dinâmica e complexa (profundamente distinta daquela existente quando da edição da Constituição).



Autor: Aldemario Araujo Castro.
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Brasília, 23 de maio de 2015.