CAPÍTULO 6 - ATO ADMINISTRATIVO



6.1. Introdução - Teoria do Fato Jurídico


As normas jurídicas apresentam a seguinte estrutura lógica: Se S então deve ser P. Onde S significa fato ou suporte fático e P significa preceito.

Norma Jurídica
---------------------- = Fato Jurídico = Eficácia Jurídica
Suporte Fático

Os acontecimentos ou fatos juridicamente relevantes, porque previstos em normas jurídicas (como suportes fáticos), fazem nascer, no plano do pensamento humano, o mundo jurídico.

Os fatos juridicamente relevantes (fatos jurídicos lato sensu) podem ser:

(a) fato jurídico stricto sensu: todo aquele independente de ato humano como dado essencial (exemplos: nascimento, morte, implemento de idade);

(b) ato-fato jurídico: todo aquele que envolve necessariamente um ato humano abstraindo dele qualquer elemento volitivo (exemplo: descoberta de um tesouro no fundo do quintal);

(c) ato jurídico stricto sensu: todo aquele que envolve um ato humano cuja parte volitiva é essencial, mas os efeitos produzidos são necessários (preestabelecidos pelas normas jurídicas) (exemplo: reconhecimento de paternidade);

(d) negócio jurídico: todo aquele que envolve um ato humano cuja parte volitiva é essencial e é possível estruturar ou definir os efeitos produzidos (exemplo: contrato).

Os planos do mundo jurídico são:

(a) da existência: é o plano do ser. Nele entram todos os fatos jurídicos, quer sejam lícitos, quer sejam ilícitos. Aqui não se faz considerações sobre validade ou eficácia do fato jurídico. Cogita-se apenas se fato descrito na lei ocorreu em sua plenitude;

(b) da validade: onde se verifica a presença de vícios na manifestação de vontade (humana). Não passam pelo plano da validade os atos ilícitos e aqueles em que a vontade não é elementos essencial;

(c) da eficácia: onde são produzidos os efeitos dos fatos jurídicos (situações jurídicas, relações jurídicas, etc). "Os atos anuláveis entram, de logo, no plano da eficácia e irradiam seus efeitos, mas interinamente, pois poderão ser desconstituídos caso sobrevenha a decretação da sua anulabilidade". "Os atos nulos, de regra, não produzem sua plena efeicácia. (...) Acontece, no entanto, que há casos, embora poucos, em que o ato jurídico nulo produz efeitos jurídicos" (expressamente atribuídos por lei).


6.2. Definições


Ato administrativo (ato jurídico-administrativo): "a declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes, expedida em nível inferior à lei - a título de cumpri-la - sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle de legitimidade por órgão jurisdicional" (Celso Antônio Bandeira de Melo). Exemplo: nomeação de um servidor público.

Fato administrativo (fato jurídico-administrativo): aquele que produz efeitos jurídicos no âmbito da Administração Pública mas independe da vontade humana. Exemplo: morte de um funcionário (que produz a vacância do cargo público).

Ato da administração: todo ato (em que a vontade humana é relevante) que produz efeitos jurídicos e é praticado no exercício da função administrativa. Exemplos: atos de direito privado e contratos administrativos.

Fato da administração: fato ocorrido no âmbito da Administração Pública que não produz nenhum efeito jurídico (segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro).


6.3. Elementos, componentes ou requisitos


O tema está mergulhado em profundas divergências doutrinárias. Destacamos a abordagem que decorre do disposto no art. 2o. da Lei n. 4.717, de 1965 (Lei da Ação Popular). Este dispositivo legal menciona os cinco elementos do ato administrativo: competência, forma, objeto, motivo ou finalidade.

6.3.1. Competência (ou sujeito): é aquele a quem a lei atribui poderes para a prática do ato.

6.3.2. Forma: o modo como a declaração do Estado se exterioriza.

6.3.3. Objeto (ou conteúdo): é o efeito jurídico imediato produzido pelo ato. É aquilo enunciado ou prescrito.

6.3.4. Motivo: são os pressupostos de fato (circunstâncias, acontecimentos) e de direito (norma jurídica) que fundamentam o ato. Não se confunde com motivação (a explicitação dos motivos).

6.3.5. Finalidade: é o resultado buscado com a prática do ato. É o efeito jurídico mediato.

Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta uma enumeração cientificamente precisa. Estabelece que os elementos ou requisitos (quanto à existência) são dois: conteúdo (ou objeto) e forma. Já os pressupostos (quanto à validade) são cinco: subjetivos, objetivos (motivo e procedimento), teleológicos (finalidade), lógicos (causa, como vínculo entre o motivo e o conteúdo) e formalísticos (formalização).


6.4. Atributos


6.4.1. Presunção de legitimidade e de veracidade. Significa que até prova em contrário o ato administrativo foi adotado em consonância com a lei e os fatos apontados pela Administração são verdadeiros. A presunção em questão é relativa e admite prova em sentido contrário.

6.4.2. Imperatividade. Significa que os atos administrativos se impõem aos terceitos, independentemnte de sua concordância. Argumenta-se, a exemplo de Di Pietro, que o atributo só existe naqueles atos administrativos que impõem obrigações.

6.4.3. Auto-executoriedade. Importa na execução do ato administrativo pela própria Administração, sendo desnecessária a intervenção judicial. Costuma-se destacar, mais uma vez como faz Di Pietro, que este atributo é próprio das hipóteses previstas em lei e quando se exige uma providência urgente.


6.5. Classificação


6.5.1. Quanto às prerrogativas: de império (presença de prerrogativas próprias do Poder Público) e de gestão (praticados em situação de igualdade jurídica com o particular).

6.5.2. Quanto à manifestação de vontade: propriamente ditos ou puros (há uma declaração de vontade da Administração) e meros atos administrativos (há uma declaração de opinião - parecer, certidão e voto num colegiado).

6.5.3. Quanto à formação: simples (declaração de vontade de um único órgão - singular ou colegiado), complexos (mais de uma declaração de vontade que se funde em um único ato) e compostos (mais de uma declaração de vontade e mais de um ato praticado).

6.5.4. Quanto aos destinatários: gerais (atingem todas as pessoas que estejam na situação prevista no ato) e individuais (produzem efeitos para pessoas identificadas no ato).

6.5.5. Quanto aos efeitos: constitutivo (cria, extingue ou modifica situação) e declaratório (reconhece situação anteriormente existente).


6.6. Espécies


Os atos administrativos quanto ao conteúdo podem ser, entre outros: autorização, licença, permissão, aprovação, homologação, parecer, visto. Quanto à forma, temos, entre outros: decreto, portaria, resolução, circular, despacho, alvará.


6.7. Motivação e Teoria dos Motivos Determinantes


Motivação é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram (MSZDiP). Subsiste uma significativa discussão acerca da obrigatoriedade, ou não, da motivação. Para alguns, a motivação é necessária nos atos vinculados. Para outros, a motivação é inafastável dos atos discricionários.

"Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito" (Lei n. 9.784, de 1999)

Pela teoria dos motivos determinantes a validade do ato administrativo está vinculada a existência e veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção.


6.8. Extinção dos atos administrativos


O assunto é bastante espinhoso em sede doutrinária. Trata-se de verificar as formas de desaparecimento do ato administrativo da ordem jurídica. Encontramos entre as hipóteses mencionadas: (a) cumprimento dos efeitos; (a.1) esgotamento do conteúdo jurídico; (a.2) execução material; (a.3) implemento de termo ou condição; (b) desaparecimento do sujeito ou do objeto; (c) retirada; (c.1) revogação; (c.2) invalidação ou anulação; (c.3) cassação; (c.4) caducidade; (c.5) contraposição e (d) renúncia.

As duas formas mais comuns de extinção dos atos administrativos são a revogação e a invalidação ou anulação.

A revogação: (a) ocorre por razões de conveniência e oportunidade; (b) é realizada pela autoridade administrativa competente; (c) produz efeitos ex nunc (para frente, para o futuro) e (d) possui natureza constitutiva.

A anulação ou invalidação: (a) ocorre por razões de legalidade/validade (o ato foi produzido em desconformidade com o direito); (b) é realizada pela autoridade administrativa competente ou pelo Judiciário; (c) produz efeitos ex tunc (para trás, para o passado) e (d) possui natureza declaratória.

"Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato." (Lei n. 9.784, de 1999)


6.9. Classificação da invalidade


A matéria está envolta em enormes divergências doutrinárias.

Os atos administrativos, quanto ao vício que eventualmente carregam, podem ser: (a) irregulares: tratam-se de vícios mínimos ou irrelevantes (são desconsiderados); (b) anuláveis: podem ser reproduzidos sem repetir o vício; (c) nulos: não podem ser reproduzidos sem repetir o vício e (d) inexistentes: possuem defeitos de tal magnitude que sequer entram no plano jurídico da existência (são desconsiderados).

Os atos anuláveis são convalidáveis. Os atos nulos (e os atos inexistentes) não são convalidáveis.

A convalidação, também chamada de saneamento, é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado (MSZDiP). Em regra, é possível a convalidação nos casos de vícios de competência e forma. Não se admite a convalidação nos casos de vícios relativos ao objeto, à finalidade e ao motivo.

"Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração." (Lei n. 9.784, de 1999)





Autor: Aldemario Araujo Castro.
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Brasília, 14 de novembro de 2003.